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2004/06/29

Entre-aspas: A música do acaso 

«Um amigo, R., falou-me de um livro marginal que ele tentava localizar sem sucesso, esquadrinhando livrarias e catálogos à procura daquilo que devia ser uma obra admirável que ele ansiava ler; e contou-me como, uma tarde em que fazia o seu caminho pelo centro da cidade, tomou um atalho para a Grand Central Station, subiu o lanço de escadas que leva à Vanderbilt Avenue, e viu de repente uma jovem ao lado do friso de mármore com um livro à frente dela: o mesmo livro que ele tão desesperadamente tentava encontrar.

Embora não tivesse por hábito dirigir a palavra a desconhecidos, R. Estava demasiado atordoado pela coincidência para ficar calado. «Acredite ou não», disse à jovem, «tenho andado à procura desse livro por toda a parte.»

«É maravilhoso», respondeu a jovem, «acabei agora mesmo de o ler.»

«Sabe dizer-me onde poderei encontrar outro exemplar?», perguntou R. «Não consigo explicar-lhe o que isso significaria para mim.»

«Este é para si», respondeu a mulher.

«Mas é seu», replicou R.

«Era meu», disse a mulher, «mas agora já acabei de o ler. Vim aqui hoje para lho dar».»

Paul Auster, O Caderno Vermelho

2004/06/25

Entre-aspas: Chiado e Lisboa 

«É possível definir Lisboa como um símbolo. Como a Praga de Kafka, como a Dublin de Joyce ou a Buenos Aires de Borges. Sim, é possível. Mas, mais do que as cidades, é sempre um bairro ou um lugar que caracterizam essa definição e a fidelidade tantas vezes inconsciente que lhe dedicamos. O Chiado, neste caso. A sua geografia cultural, o seu resplendor diurno, a paz provinciana das suas ruas à noite, tanta coisa, tanta coisa.

Mas acontece que o Chiado não pode ficar resumido a uma efeméride, a um livro de ouro ou a um belvedere por onde passaram as primaveras das Belas-Letras/Belas-Artes dum país. Está também na trajectória do nosso Pensamento social contemporâneo, na evolução da nossa política, e esse é um capítulo que lhe cabe em parágrafos de honra maior.»

José Cardoso Pires, Lisboa - Livro de bordo

2004/06/22

Teatro: Flor de um dia... Feliz  

Sábado passado, fui passear com a minha família (mana, mãe e sobrinhos) que vive fora de Lisboa. O Sol estava especialmente escondido, permitindo colocar uns sapatos confortáveis, almoçar junto ao rio, visitar os tão desejados "gobissauros..." e porque não redescobrir Lisboa? Assim foi...[há quanto tempo não andam de eléctrico?!]

Entre a volta no metro, com os miúdos a tentarem segurar-se no desequilibro da carruagem, os sorrisos dos mais velhos no eléctrico, quase perdidos nesta bela cidade... e o delírio da minha doce mãe, com os seus 75 anos a recordar os bairros que há muito já não visitava, o dia foi percorrendo emoções aparentemente "adormecidas".

Passados pela Praça do Comércio, encontramos uma exposição de fotografia fascinante mas impossível de usufruir pois os milhões amontoam-se... sorrio e prossigo. Rua Augusta, os adeptos são mais que muitos e o som da gente que canta com alegria é delicioso... De repente, um megafone retém toda a nossa atenção! Continuamos em passeio, suave, em direcção ao som de uma voz masculina que aparentemente está a filmar uma cena... Fico na dúvida, não consigo distinguir imediatamente se estou ou não perante ficção. Continuo a sorrir. Delicio-me ainda com dúvidas sobre a cena que discretamente reúne um conjunto de 30 a 40 pessoas que simplesmente recebem a tal flor... desse mesmo dia.

Sonhei, sorri, senti, amei, chorei, arrepiei, e acima de tudo complementei um dia feliz como há muito não sentia... Obrigada Flor de um dia! Cheirar flores sem as esperar receber, é de facto um privilégio raramente oferecido sem nada em troca. Apareçam! Pelas vossas emoções...

23 Junho 10h00 (Rua Garrett), 17h00 (Rua Augusta); 24 Junho 10h00 (Rua Augusta) 18h00 (Praça Camões); 25 Junho 10h00 (Rua Garrett), 17h00 (Rua Augusta); 26 Junho 11h00 (Rua Augusta), 18h00 (Lg. do Carmo); 27 Junho 11h30 (Rossio), 18h00 (Lg. Carmo)

Produção: Companhia Argentina de Teatro Escena Subterrânea

2004/06/21

Segundos... 

Ama como a estrada começa


Mário Cesariny

2004/06/20

Momentos: ...de Inspiração! 

Nuno Gomes marca o golo de Portugal no jogo com a Espanha

2004/06/18

Música: Vinte e poucos 

Não conhecia este disco e nunca tinha visto a cara de miúdo deste Jamie Cullum. Confesso que quando me ofereceram este disco no meu aniversário fiquei desconfiado... Seria mais um teenager armado em popstar? Quando cheguei ao carro e o CD começou a tocar percebi que não podia estar mais enganado! Jamie Cullum é mais um crooner precoce que, aos 22 anos, já vai no terceiro álbum e que se diverte a compôr e a reinventar standards... Por exemplo, a faixa 3 deste disco não é nada mais nada menos do que o "Singin' in the Rain" numa versão simplesmente notável.

A voz de Cullum não tem o poder que a de Michael Bublè possui, mas tem uma leveza que lhe permite tocar com o seu sotaque britânico canções tão diferentes como "Lover, you shouldn't come over" do saudoso Jeff Buckley, "I get a kick out of you" de Cole Porter ou "Wind cries Mary" de Jimi Hendrix. É essa ousadia e essa frescura que tornam este disco cativante. E assim tem tocado, à noite, dia após dia. E já lá vão umas semanas...

2004/06/17

Entre-aspas: A arte humana 

«A arte está para o homem assim como o homem está para a natureza.

Quando a natureza, no seu desenvolvimento, foi capaz de conter em si as condições para a existência do homem, o homem surgiu totalmente por si: logo que a vida humana gera a partir de si as condições para o aparecimento da obra de arte, esta surge também por si mesma na vida.

A natureza gera e configura sem intenção e sem arbítrio, segundo aquilo de que carece, e consequentemente por necessidade: a mesma necessidade é força geradora e configuradora da vida humana; só o que é sem intenção e sem arbítrio brota do real carecer, e o fundamento da vida reside apenas nesse carecer.»

Richard Wagner, A Obra de Arte do Futuro

2004/06/16

Livros: Anos luz 

«Vi-te trabalhar o dia inteiro/construir as cidades para os outros»

«Faz-me muita impressão o abuso do poder, a facilidade com que se decide, mesmo sobre alibis da pretensa dificuldade, embora reconheça que a função do político é difícil e será necessariamente criticada. Mas continua a fazer-me muita impressão que as coisas não sejam mais cristalinas. Não falo só como poeta, falo mesmo numa prática. Há coisas tão importantes que deviam ser prioridades absolutas; o direito à saúde, à educação gratuita, a uma casa.(...)»

Excerto de uma conversa entre várias, com Sérgio Godinho. Um livro de Inês Pedrosa, para se ler, concordar, ou nem por isso. Trinta conversas, passados 30 anos. As perspectivas mudam, mas os anos nem sempre foram de luz. E há luzes que podem ofuscar... e pode parecer anos luz...mas vale a pena recordar!

2004/06/15

Livros: O oráculo da noite 

Quinta-feira, ao fim da tarde. Acabo de aterrar em Londres. Deixo a mala no hotel e apanho o metro. Destino: Charing Cross e as suas livrarias. Entro na Foyles. Quatro ou cinco andares de livros. Trago um par de títulos em mente mas não os consigo encontrar. Passeio entre as prateleiras cheias de livros. Folheio um ou outro mas nenhum me chama irrevogavelmente. Encontro o último livro de Paul Auster, Oracle Night. Acabou de ser editado em Fevereiro deste ano e ainda não existe em versão portuguesa. Reparo que esta edição de capa dura tem um autocolante na capa: "assinado pelo autor". Abro o livro... Está mesmo assinado. Não resisto e levo-o comigo. Nesse dia à noite não consigo ler. Depois de jantar com um amigo estou demasiado cansado para pegar no livro. Fica para o dia seguinte.

Sexta-feira à noite. Chego ao local onde se vai realizar a conferência à qual vou assistir. Janto, calmamente, e regresso ao meu quarto. Agarro no livro e abro-o. Entro na vida de Sidney Orr, um escritor que escapou a um acidente quase fatal. Acompanho-o enquanto ele passeia pelas rua de Nova Iorque e encontra uma pequena papelaria. Olho por cima do seu ombro quando ele descobre uns pequenos cadernos de apontamentos portugueses com aspecto irresistível. Perto de noventa páginas quadriculadas, encadernado com pano e capa dura. Sidney quer voltar a escrever e o caderno convida-o de forma irresistível. Sidney mergulha no caderno e eu mergulho com ele. Uma história começa a tomar forma. Imagino-a. Dentro dessa novela, aparece outra. Um história dentro de uma história dentro de uma história. Um homem que escapa à morte por milimetros e decide subitamente que tem que recomeçar a vida deixando tudo para trás. Um homem que fica cego e começa a ter visões do futuro que o encurralam num caminho trágico. A música do acaso soa nos meus ouvidos. Sidney Orr perde-se no caderno português. E a realidade distorce-se. Grace, a mulher dele, parece ter um segredo. Um amigo de ambos tem uma bomba-relógio dentro do corpo. E a vida dos três cruza-se com as linhas quadriculadas do caderno. Avanço até dois terços do livro e sucumbo ao cansaço.

Sábado. A história não me abandona durante todo o dia. Anseio pelo momento em que o programa da conferência se vai interromper para poder continuar. As linhas do livro entrelaçam-se nas minhas. Imagino que "caderno português" terá inspirado Paul Auster. Anoto mentalmente que vou fazer uma visita à Papelaria Fernandes assim que regressar a Lisboa. Acho que sei que cadernos são... Finalmente, depois do jantar, tenho a oportunidade para continuar. Mergulho de cabeça no livro... As horas passam. Enquanto releio a última página, o meu coração bate depressa. A angústia do final demora a dissipar-se. Talvez não me apeteça assim tanto procurar os misteriosos cadernos portugueses...

2004/06/14

Segundos... 

Quem será que escreve os meus textos?


Pedro Outono

2004/06/09

Segundos... 


Hoje não há mesmo quase nada a dizer...


2004/06/08

Música: As surpresas de Norah Jones 

Eu estava à espera que a Norah Jones desse um bom concerto esta noite no Coliseu... Mas não esperava que ela estivesse tão à-vontade no palco, a interagir com o público, a brincar com os toques de telemóvel inoportunos que ouve nos seus concertos e a responder em directo aos pedidos de encore. Menos esperava ainda que a banda que a acompanha fosse tão coesa e que os dois guitarristas nos brindassem com solos fantásticos, tocados em não sei quantas guitarras diferentes como se nos quisessem mostrar todos os timbres que seis cordas podem esconder. E foram mesmo solos de arrepiar, capazes de entusiasmar o público e de arrancar uma salva de palmas bem merecida no fim.

Mas preciso de voltar à voz da Norah Jones. Ao vivo parece ainda mais profunda e suave do que nos discos. Envolvente. Tal como a mistura que faz de géneros musicais, encontrando uma alquimia inesperada entre rock, folk e country. E agora, menina Jones, que surpresas nos trará no próximo concerto?

2004/06/07

Música: E daqui a dois anos há mais! 

Só fui ao Rock in Rio - Lisboa no último dia (ontem) e confesso que fiquei com pena de não ter aproveitado mais dias. Mesmo com a confusão da enchente final e o pó que abundava, o ambiente dificilmente poderia ser melhor... Havia qualquer coisa no ar e não era só pó!

A organização do recinto, a pluralidade de espaços, actividades e palcos e o anfiteatro natural onde foi implantado o palco principal mereciam grandes concertos, como aqueles que o Sting (o grande senhor da noite), a Alicia Keys e a Ivete Sangalo nos ofereceram. Tive pena que o Luís Represas só me tivesse entusiasmado quando cantou o seu hino Timor e do Alejandro Sanz só me lembro mesmo de alguém a gritar Corazón Partío de dois em dois minutos... O Pedro Abrunnhosa chegou tarde demais para eu o conseguir ouvir, por isso não me pronuncio.

E depois de um belo dia de concertos, só faltam 104 semanas para termos mais um Rock in Rio em Lisboa. Acho que é uma excelente ideia e parece-me que nessa altura não vou comprar só bilhetes para um dia...

[A fotografia é do João Pedro Gonçalves e vale mesmo a pena irem ver as outras]

2004/06/06

Livros: Como um Romance 

Sempre que me emprestam um livro ou que eu compro um, o livro depois fica lá por casa a arrastar-se entre outros... Há como que uma "culpa" de não ter tempo para ler mais, ou mesmo por não ter ainda terminado alguns que já comecei. Sempre que a minha consciência começa desordenadamente a falar comigo, como se de sua irmã mais nova se tratasse, irrito-me um pouco, confesso.

Há poucos dias, quando falávamos neste tema, emprestaram-me um livro que (ainda não li!) mas que não resisto a partilhar convosco a contra-capa do mesmo. A mim fez-me sorrir e sentir-me melhor com a minha, por vezes, absurda dependência do dever...

Direitos Inalienáveis do Leitor

1. O Direito de não ler
2. O Direito de saltar páginas
3. O Direito de não acabar um livro
4. O Direito de reler
5. O Direito de ler não importa o quê
6. O Direito de "Amar" os heróis dos Romances
7. O Direito de ler não importa onde
8. O Direito de saltar de livro em livro
9. O Direito de ler em voz alta
10.O Direito de não falar do que se leu

Agora vou ler o livro, que diz: «Acima de tudo, conforme se sublinha no presente livro, a leitura deve ser um prazer e os leitores de hoje têm de usufruir de alguns direitos inalienáveis.»

"Como um Romance" de Daniel Pennac

2004/06/05

Entre-aspas: Estás a ouvir-me, pá?! 

Porque há mulheres assim. Para ti Rita Vasconcelos, porque não há minutos que cheguem para te ler...

«Assusto-me com a nossa qualidade de vida, que, hoje em dia e neste nosso planeta, só nos fornece alimentos adulterados, poluição generalizada, radiações, stress físico e mental. Vamos vivendo assim e já nem notamos. Com a minha doença voltei a ter consciência da importância da qualidade de vida, mas é claro que o meu anjinho que organizou isto tudo poderia ter tido outra piadinha de mau gosto, espero que ele reconsidere e faça regredir os meus sintomas. Estás a ouvir-me, pá? (...)

Espero que sejam sensíveis ao que estou aqui a partilhar porque vida há só uma, a nossa e mais nenhuma. Realizei, muito recentemente, que temos muito poder com o nosso corpo e a vontade de viver é hiper importante. A doença apanha os que estão mais fragilizados física ou espiritualmente e , se quiserem mudar, têm de revoltar-se em vez de se lamentar, mudar o esquema e tratar esta porcaria por tu, porque vale a pena! (...)

O Cancro tem uma má onda que assusta logo qualquer pessoa que seja sua vítima, mas há que seguir o instinto na procura da cura. No meu caso, com uma enorme crença em mim própria, tem vindo a materializar-se. (...)

Quem de certeza não diz "não tenho tempo para nada" são o índios do Amazonas, ou os esquimós ou outros povos deste mundo não ocidental, e vão lá ver se são infelizes ou estão doentes?!»

"Uma história de vida" - Revista Única do Jornal Expresso de hoje

2004/06/03

Segundos: Amor... 


Que nos separa, Amor, um traço de união?...

Alexandre O'Neill - Poesias Completas

2004/06/02

Entre-aspas: A verdade das emoções 

«Travar a expressão de uma emoção é tão difícil como evitar um espirro. Podemos conseguir evitar a expressão de uma emoção em parte, mas não totalmente. Aquilo que realmente conseguimos é a capacidade de disfarçar algumas das manifestações externas da emoção, sem que sejamos capazes de bloquear as modificações automáticas que ocorrem no milieu interno e nas vísceras.»

In O Sentimento de Si, António Damásio

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